E se a neutralidade da rede acabar no Brasil?
Se isso ocorrer no Brasil, as operadoras poderão cobrar à parte por acesso a sites como YouTube ou Netflix
Já imaginou se você tivesse que assinar um pacote de sites da mesma forma que paga por um pacote de TV por assinatura? Por uma mensalidade de R$ 100 pela sua banda larga, teria acesso, por exemplo, ao Facebook e a sites de notícia. Mas, se quisesse ter acesso ao YouTube ou à Netflix, teria que pagar R$ 150.
Essa cobrança diferenciada é a maior consequência que a queda da neutralidade da rede, ocorrida no mês passado nos EUA, deverá trazer para os usuários americanos. E é isso que muitos internautas brasileiros temem que ocorra também por aqui, caso as operadoras, com seu lobby forte, consigam derrubar a neutralidade no Brasil.
Segundo a Coalizão Global pela Neutralidade de Rede, entidade que reúne especialistas e ativistas de dezenas de países, neutralidade da rede é “o princípio segundo o qual o tráfego da internet deve ser tratado igualmente, sem discriminação, restrição ou interferência independentemente do emissor, recipiente, tipo ou conteúdo, de forma que a liberdade dos usuários de internet não seja restringida pelo favorecimento ou desfavorecimento de transmissões do tráfego”.
Marco Civil
A neutralidade que vivemos assegura que as operadoras não podem bloquear sites ou dificultar o acesso a determinados conteúdos. Esse dispositivo garante ainda que todos os sites devem ser navegados à mesma velocidade. Por exemplo, se você tem um contrato de 50mb/s com sua operadora, essa velocidade deve ser a mesma tanto para o YouTube como para acessar o seu email ou sua rede social.
Com o fim da neutralidade, o YouTube pode pagar aos provedores para que o acesso aos vídeos daquele site sejam priorizados. Aí, quando você for acessar seu email, vai demorar muito mais para baixar aquele documento urgente que recebeu em sua caixa.
No Brasil, a neutralidade da rede é garantida pelo Marco Civil da Internet (2014). Segundo a advogada Ana Paula de Moraes, 45 anos, especializada em direito digital, o Marco Civil é uma espécie de constituição da internet, que assegura, além da neutralidade, outros importantes itens, como a privacidade do usuário. “Já houve 56 tentativas de alterar o Marco Civil e a maioria delas era relativa ao limite de dados. Isso mostra mais uma vez o lobby das empresas de telecomunicação, que, sorrateiramente, tentam mexer na neutralidade”, afirma Ana Paula.
A reportagem procurou dois provedores de acesso, que não se manifestaram sobre a neutralidade: a NET não respondeu às perguntas enviadas por email e a Oi informou que caberia à Sinditele (Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular) responder. Essa última, no entanto, afirmou que não se manifesta sobre o assunto no momento.
Ana Paula acredita que, mesmo com a queda da neutralidade nos EUA, a chance de ocorrer um “efeito cascata” no Brasil é pequena. “Para isso acontecer, o Marco Civil precisaria ser parcialmente anulado e é muito difícil que isso ocorra. Além disso, o Ministério Público possui núcleos específicos que tratam de assuntos relacionados à internet. Acrescento ainda que o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI) é muito forte”, defende a advogada.
Há entre a legislação brasileira e a americana uma diferença que dificulta a queda da neutralidade por aqui: enquanto nos EUA a internet é considerada apenas um serviço de telecomunicação, aqui o acesso à rede é considerado “essencial ao exercício da cidadania”.
A seguir, entrevista com Ana Paula de Moraes, advogada especializada em direito digital
Como a senhora define a neutralidade da rede?
É um dos princípios estabelecidos pelo Marco Civil brasileiro, que garante ao consumidor que as operadoras de banda larga não priorizem um conteúdo em detrimento de outro. Com a neutralidade, a operadora cobra de acordo com a velocidade contratada e não de acordo com o conteúdo contratado.
Que outras garantias o Marco Civil oferece ao usuário?
Garante a inviolabilidade da intimidade, o sigilo do fluxo de comunicação. As prestadoras não podem vender seus dados de maneira nenhuma. E é isso o que tem mais valor na internet. Mas a neutralidade não tem relação com essa garantia de sigilo. Mesmo sem neutralidade, o sigilo fica garantido.
As empresas de telecomunicação apontam alguma vantagem com o fim da neutralidade?
As teles argumentam que a quebra da neutralidade seria positiva para alguns usuários. Afirmam que alguns consumidores sairiam ganhando, porque há usuários que pagam por um pacote completo, mas não o usam. Segundo as teles, quem acessa pouco passaria a pagar menos e quem usa mais pagaria mais. Mas é um argumento discriminatório, que contraria o Marco Civil, que não faz essa diferenciação.
Fonte: Correio
8 Comentários
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Se a neutralidade da rede cair é a melhor coisa que poderia acontecer. continuar lendo
Talvez seja verdade porque abriria precedentes para um dono de veículo que só usa o carro no fim de semana pagar 1/3 de IPVA. Para um usuário de ônibus pagar somente pelo trajeto que andar e por aí vai. Mas se tratando apenas de internet ainda é preferível o modelo atual já que muitos usuários aderem a novos serviços de tempos em tempos ou deixam de usar outros a qualquer momento, sem contar que muitas das vezes a demanda pode ser alta num mês e baixa em outro, com a neutralidade da rede não vão cobrar por quanto Youtube se usou, mas pela disponibilidade com maior eficiência. continuar lendo
Delito, o modelo atual eh advindo do modal sem neutralidade. A neutralidade eh recente. continuar lendo
Muito polêmico tudo isso. Precisamos equalizar para também entender O que como e porque optamos por isto.. São muito divergentes as necessidades de cada um.. Nas atuais conjunturas, melhor mantermos como estamos. Boa noite a todos.. continuar lendo
"E SE A NEUTRALIDADE DA REDE ACABAR NO BRASIL?" R. - A internet voltaria a ser livre novamente, tal como era antes da vigência da Lei nº 12.965, de 23 de Abril de 2014, que passou a regular o uso da web no Brasil. Recordemos que até então nenhum provedor no Brasil, sequer ousava limitar o tráfego como fazem hoje. Se assim o fizesse, o consumidor simplesmente mudava de provedor. Em 2014, coincidentemente ao “marco regulatório”, os pequenos provedores de acesso praticamente haviam desaparecido dos grandes centros, principalmente do sul/sudeste, pois, os grandes provedores de “backbone” (empresas de telecomunicações), detentoras de grandes faixas de IPs, que até então forneciam trânsito via "backbone" a esses provedores de acesso, passaram a disputar com eles o mercado de varejo, oferecendo acesso internet diretamente ao consumidor final, por meio dos seus serviços de telecomunicação, haja vista que o varejo de telefonia fixa e móvel tradicional foi praticamente arruinado com a popularização dos aplicativos de voz e dados sobre IP. Para essas corporações, dominar o mercado de internet (voz/dados) é questão de sobrevivência. O chamado "Marco Civil da Internet" foi um ato de intervenção estatal para controlar a internet no Brasil, sob o falso pretexto de "proteger a neutralidade da rede”, mas, de fato, protegendo os interesses de 3 ou 4 grandes empresas de telecomunicações que detêm, por concessão estatal, o monopólio desse mercado. O § 1º do art. 9º da Lei 12.965/2014 é explícito ao conferir poderes regulatórios à Presidência da República para o gerenciamento e mitigação do tráfego (discriminação ou degradação) por meio de decretos e regulamentos, mediante mera consulta ao CGI.br. Não tardou até o advento do Decreto nº 8.771, de 11 de Maio de 2016, que transferiu aos provedores tais poderes para limitação e mitigação dos pacotes de dados contratados com os consumidores, bem como, estabeleceu a obrigação de fornecerem dados cadastrais de seus clientes diretamente à administração pública sem a necessidade de ordem judicial. E, ainda, para mais insegurança jurídica, estabeleceu múltiplos órgãos regulatórios, cada qual com a liberdade de editar regulamentações, tal como a ANATEL, o CGI.br, Secretaria Nacional do Consumidor, o “Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência”, e sabe-se lá mais o que vem por aí. Nos Estados Unidos, a regulação em prol da “neutralidade da rede” fez caírem vertiginosamente os investimentos privados no setor, prejudicando justamente as “startups” e favorecendo as grandes corporações, as quais passaram a formar verdadeiros cartéis de transmissão e comutação de dados e de conteúdo, em prejuízo dos consumidores. O fim da tal “neutralidade” nos EUA, seria melhor descrito como – a restauração da internet livre nos EUA. Precisamos parar de clamar por mais intervenção estatal, por mais leis, pois é assim que o Estado passa a corda em nosso pescoço, e por meio de suas agências reserva o monopólio às grandes corporações. Nesse contexto, deixa de existir uma relação Estado/Cidadão e passar a existir uma relação Senhor/Escravo. Como advertiu o mestre Rui Barbosa, nos idos de 1900, de tão atual, suas palavras soam como se tivessem sido ditas hoje."'Corruptissima republica, plurimae leges'. Quanto mais corrompida a república, mais leis. Já vistes quadro mais solene dessa verdade que o Brasil dos nossos dias?" Rui Barbosa. (Obras Completas. V. 27, t. 2, 1900. p. 15). Peço à colega, autora desse excelente artigo, desculpas pela extensa intromissão. E espero ter de algum modo contribuído positivamente - com o pouco que tenho -, para suscitar uma outra perspectiva sobre o objeto de seu estudo, nessa área tão nova, importante, e cheia de desafios a serem enfrentados pela ciência do direito e pela advocacia. continuar lendo
A NET não tem nem a dignidade de comparecer na minha residência nas visitas agendadas... eu não sei o que vocês fazem perdendo tempo com ela? continuar lendo